As notícias de brasileiros que foram barrados em países europeus não param de se multiplicar, e a história, salvo alguns detalhes, é sempre a mesma, seja qual for o destino. Após serem barrados no desembarque dos aeroportos, os brasileiros são obrigados a responder uma infinidade de perguntas e cumprir uma série de exigências, logo após são jogados em uma sala onde aguardam por horas sem receber nenhuma informação e, depois, são repatriados sob o pretexto de não atenderem as exigências mínimas para a permanência no país.
Não há dúvida de que se trata, em grande parte, de preconceito por parte destes países. Acredito mesmo que em muitos casos os brasileiros deportados não devem ter apresentado toda a documentação e cumprido todas as exigências, mesmo porque ao que parece as exigências são muitas e parecem crescer sempre no sentido de dificultar o acesso, ao contrário da justificativa de assegurar que o visitante tenha condições próprias de subsistência.
Sem dúvida que essa situação toda é um absurdo sem precedentes, que além de tudo causa mais indignação ao lembrarmos que o Brasil com certeza recebe todos visitantes, de todas as origens, de braços abertos como o Cristo, exageradamente abertos. Aliás, não só os braços estão sempre abertos como também outras partes menos pudoradas, haja vista que qualquer americano ou europeu que apareça por aqui dispõe de relativa facilidade para “conquistar” qualquer companhia.
Contudo, temos que observar que as recentes atitudes dos países desenvolvidos em barrar os brasileiros, apesar de injustificável, não surgem ao acaso ou pura e simplesmente por preconceito. Os brasileiros constituem, em muitos países da Europa, um dos principais grupos de imigração, onde os mesmos muitas vezes lá permanecem de maneira ilegal, contribuindo significativamente para o aumento do índice de desemprego nesses países. Tentam de toda maneira entrar e por lá permanecer, as histórias são as mais mirabolantes e, o que me assusta, mais e mais freqüentes. É difícil encontrar um brasileiro aqui no Brasil que não conheça pelo menos uma pessoa que foi viver no exterior e, ao mesmo tempo, é quase impossível não conhecer pelo menos uma pessoa que tenha planos de abandonar o Brasil para ir viver em outro país desenvolvido.
Eu mesmo tive essa intenção de migrar temporariamente do Brasil rumo a um país qualquer que fosse desenvolvido e me possibilitasse algum ganho capital. É uma situação difícil e complicada, ter consciência do significado de um ato como esse diante do contexto histórico atual e mesmo assim querer fazê-lo. Contudo, meus planos eram de ir, trabalhar e voltar. Não considerei seriamente, em momento algum, viver no estrangeiro para sempre, não acho que conseguiria fazer isso. Acabei desistindo diante das dificuldades e da consciência da conseqüência geopolítica desse ato. Porém, não critico indiscriminadamente aqueles que tomaram essa decisão para si, pelo menos não todos. Acredito que a busca por condições dignas de sobrevivência fala mais alto e que cada um é senhor de si para fazer o que quiser. O assustador nessa história toda é ver as consequências no âmbito macro estrutural, ou seja do Brasil como um todo.
Em minha profissão tenho contato com muitos jovens, centenas deles, e isso me possibilita fazer observações quanto à sua mentalidade coletiva. Fico espantado ao perceber que um número muito grande dos alunos planeja, a médio e curto prazo, migrar para a Europa ou Estados Unidos, ao mesmo tempo em que não nutre identificação nenhuma com seu país de origem, ou seja, o Brasil. Alunos de oitava série, na média de quinze a dezesseis anos, já possuem planos elaborados para migrarem assim que atingirem a maioridade, e contam com o apoio de parentes e amigos, que já moram no exterior, para concretizar suas intenções.
Não há dúvida que toda essa questão é resultante de um processo de globalização onde o indivíduo é cada vez mais induzido a se considerar um “cidadão do mundo” e cada vez menos “cidadão da pátria de origem”. Isso não surge ao acaso, de fato, constitui um dos principais argumentos do imperialismo cultural que objetiva dominar nações em desenvolvimento e planificar culturas a seu favor, para logo em seguida implantar sua dominação econômica e ser aceito por toda a sociedade. Ora veja, o brasileiro vive imerso numa cultura que não é a sua. Músicas, filmes, roupas, modas, restaurantes, enfim, o próprio jeito de viver, o tal do “american way of life” domina o brasileiro desde o momento em que esse começa a pensar e interagir com o mundo. No momento de analisar qualquer característica de seu país, o brasileiro sempre o faz em comparação com os Estados Unidos ou algum país europeu. É natural que, ao crescer numa sociedade assim, o indivíduo queira abandonar suas origens e partir rumo a uma terra que ele erroneamente identifica como sendo mais próxima culturalmente dele.
O meio para comprovar isso é muito fácil, basta perguntar para uma multidão, como em uma sala de aula, o seguinte, “Quem é brasileiro?” Surgirão muitas respostas, e com certeza alguns dirão coisas do tipo, “Eu não sou brasileiro, sou neto de italianos!”, “Sou filho de japonês!”, “Meu avô é alemão!”, “Sou filho de espanhol!” etc. Poucos se identificam com essa terra, poucos querem usar o rótulo “brasileiro” e mais, poucos não se sentem ligeiramente decepcionados ao terem que preencher sua nacionalidade numa ficha qualquer. O brasileiro, como disse Darcy Ribeiro, na verdade, ainda guarda em seu interior o mesmo conflito de identidade que o primeiro mameluco teve. Filho de índio com português não se sentia enquadrado entre os índios, porque não era índio, nem entre os portugueses, porque não era português. Diante dessa situação, o indivíduo acabou partindo para o lado que mais lhe favorecesse, sem contudo sentir-se identificado com nada. A pergunta que esse indivíduo certamente fez, se repete até hoje inconscientemente na mente de muitos brasileiros, “Quem sou eu?”.
Ser brasileiro, virou sinônimo de ser alguém, sem pátria, sem terra, sem escrúpulos, sem comprometimento e mais, alguém eternamente a procura de um lugar, qualquer lugar, onde haja dinheiro, muito dinheiro e melhores condições de vida.
Não é de se estranhar que sejamos barrados pelo mundo inteiro. E mais importante ainda, não e de se estranhar tamanha corrupção e descompromisso de todos para com o Brasil, o que dificulta sobremaneira qualquer tentativa de desenvolvimento.