Boas Vindas!

Você está no Congresso Nacional!
Um lugar onde se junta pessoas dos mais diversos estilos, etnias, gostos e opiniões e ficam aqui, sem qualquer tipo de receio, levando a banca suas palavras e considerações sobre os mais diversos assuntos.
Vamos apresentar nossas idéias, debatê-las ao fundo e, se alguma coisa for útil, agregar às nossas, se não, engavetá-las!

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Vergonha de ser brasileiro (?)

O aspecto único do Holocausto, que o diferencia de horrores comparáveis como a escravidão, é que o extermínio do riquíssimo judaísmo europeu, berço de Einsteins, Kafkas e Freuds, foi executado pelo país mais culto da Europa pelo simples fato de os judeus serem judeus.

Eles não eram inimigos do Estado, não tinham exércitos, suas mortes não serviriam (prioritariamente) para o avanço econômico de seus perseguidores. Eram apenas de uma cultura/religião diferente e foram usados pela megalomania germano-hitlerista como a antítese do super-homem ariano, a ser eliminada do tecido alemão.

O sobrevivente do campo de extermínio de Auschwitz e prêmio Nobel da Paz Elie Wiesel, ao voltar à sua aldeia natal na Romênia, disse que a vida por lá continuava exatamente igual desde que deixara o lugar com a família, 40 anos antes, rumo à morte. A única diferença é que não havia mais judeus.

Quase 9 milhões de judeus viviam nos países europeus direta ou indiretamente sob controle alemão. Os nazistas conseguiram matar cerca de 6 milhões. Se os judeus não lembrarem seu Holocausto, ele certamente será esquecido.

Por isso embrulha o estômago ver o presidente Lula abraçar o presidente Mahmoud Ahmadinejad em Nova York poucos dias depois de o iraniano declarar que "o Holocausto é uma mentira".

O insulto de Ahmadinejad foi ainda mais doloroso por ocorrer às vésperas do Rosh Ashaná, o Ano Novo judaico, período de reflexão. Os grandes países ocidentais o deploraram.

E logo depois ainda prestigiou o semi-pária num encontro de mais de uma hora na ONU, durante a Assembleia Geral da organização, para o mundo todo ver.

Lula e o Brasil estão no auge de sua projeção de poder. Estamos mudando de liga no jogo das nações. E nossa Chancelaria vende barato nosso cada vez mais importante apoio. O que o Irã dá em troca ao Brasil?

Antes de receber Ahmadinejad na cidade com a maior população judaica do mundo, Lula já havia sido o primeiro a apoiá-lo logo após a contestada eleição do iraniano. E ainda fez uma muito infeliz comparação dos conflitos entre oposicionistas e milícias armadas iranianas a uma rixa entre vascaínos e flamenguistas.

Tal rixa deixou dezenas de mortos e enfraqueceu um regime teocrático entre os mais repressores do mundo. Mas o Brasil de Lula foi o primeiro a estender sua mão para fortalecer o regime repressor de Teerã. E ainda receberá Ahmadinejad em visita em novembro.

O presidente brasileiro, genuinamente humanista, parece ter sido enrolado pelo anacrônico terceiro-mundismo que domina seus assessores e o Itamaraty. Ao ser questionado em Nova York sobre o negacionismo hediondo de Ahmadinejad em relação ao Holocausto, Lula respondeu:

"Isso não prejudica a relação do Estado brasileiro com o Irã porque isso não é um clube de amigos. Isso é uma relação do Estado brasileiro com o Estado iraniano."

A frase faria sentido se essa relação trouxesse benefícios ao Estado brasileiro proporcionais aos gestos de Lula. Mas ela só engrossa a lista de equívocos de sua diplomacia.

Já seria duro ver o Brasil tolerar a intolerância por recompensas mundanas. Tolerá-la por nada dá vergonha.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Não basta apenas uma cidade limpa

A PREFEITURA de São Paulo está desperdiçando uma oportunidade para aprofundar os efeitos de seu bem-sucedido "Cidade Limpa". Ao anunciar a permissão de publicidade em mais de 9.000 pontos de ônibus e relógios, o governo vende muito barato um espaço raro e cobiçado após a proibição dos outdoors. Barcelona, que retirou milhares de outdoors nos anos 80, conseguiu restaurar mais de 600 fachadas de prédios históricos com uma política mais esperta.
Lá a ideia é simples: quem patrocina um restauro ganha o direito de estampar o seu logotipo na lona de proteção da obra por um ano. Uma comissão seleciona os edifícios a serem recuperados -de igrejas centenárias a obras de Gaudí, de prédios dos anos 30 e 40 a construções renascentistas. O primeiro beneficiado foi um hospital da "belle époque" e sua restauração foi patrocinada pela Chandon. Além de colocar sua marca na obra, a empresa francesa ainda mereceu cerimônia de agradecimento em frente ao prédio histórico com a presença do prefeito barcelonês.
São Paulo poderia adaptar a ideia. Com a permissão de publicidade, grandes empresas poderiam recuperar as fachadas de edifícios emblemáticos, como Copan, Martinelli, Sampaio Moreira, Eiffel, Esther, Triângulo, Anchieta e Trussardi, que imploram por um "lifting".
Sem ter muitos espaços onde anunciar, esse visível e positivo merchandising ainda associa a marca das empresas à recuperação de ícones paulistanos. Trinta prédios importantes do Centro que fossem recuperados simultaneamente poderiam causar uma transformação que dezenas de projetos de revitalização na área ainda não conseguiram. Ao longo dos anos, Barcelona aperfeiçoou sua política. Como nem todos os edifícios históricos ou arquitetonicamente relevantes estão em lugares muito visíveis, a prefeitura catalã fez uma troca. Hoje se permitem lonas publicitárias durante a construção de alguns prédios novos em locais de grande movimento -mas os recursos apadrinham o restauro de prédios históricos em outros cantos. A publicidade em condomínios em construção no Morumbi ou na marginal Pinheiros poderia financiar a recuperação da Vila Itororó, de casarões do Bixiga, da Barra Funda, dos Campos Elíseos.

Ainda feia
Nada contra pontos de ônibus, relógios e demais mobiliário urbano. Mas seria bem mais benéfico que o retorno da publicidade ao espaço público de São Paulo continuasse casado com a reabilitação da paisagem. Retirar os outdoors de forma corajosa e sem concessões demonstrou ao paulistano que algumas iniciativas que não demandam bilhões de reais podem ter efeito imediato na percepção que temos da cidade. Mas, com a saída dos luminosos e dos outdoors, São Paulo deixou à mostra fachadas carcomidas, um emaranhado de fios e de velhos aparelhos de ar-condicionado em primeiro plano, a arquitetura canhestra de décadas de ausência de debate arquitetônico e de cuidados com a pele da cidade. São Paulo ficou mais limpa, mas isso não bastou para lhe dar beleza. Sua feiura afugenta não apenas turistas, mas potenciais investidores. Em tempos nos quais o mercado imobiliário continua a despejar monstrengos arquitetônicos por toda a cidade, com o beneplácito do poder público, e quando as poucas árvores das marginais vão ao chão para criar mais pistas para carros, seria bom ver que o governo municipal não se satisfaz apenas com uma cidade limpa.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Será inversão de valores ou a ''busca pela justiça''?

Depois de frequentar as capas de jornais e revistas pela bizarrice de ser dono de um castelo medieval de R$ 25 milhões no interior de Minas Gerais, o deputado federal Edmar Moreira (PR-MG) escolheu a Justiça como campo de batalha para revidar as críticas.
Reportagens que vinculavam a propriedade e a fortuna do parlamentar a esquemas de corrupção, uso irregular de verbas indenizatórias de gabinete e apropriação de contribuições previdenciárias de funcionários são alvo de processos por danos morais.
São 44 ações contra 14 veículos e 38 jornalistas e apresentadores de televisão (veja a lista completa dos processos no fim do texto). Outras sete ações podem ser ajuizadas a qualquer momento. O Judiciário analisou o mérito de dois pedidos, por enquanto: um foi considerado improcedente e o outro, julgado à revelia, concedeu a indenização.

A estratégia para as ações é a marcação cerrada. Reportagens que insinuem corrupção ou que tenham expressões como “o dono do castelo” são os principais alvos. “Deboche, chacota, referências à família e comentários que envolvam o lado pessoal avançam sobre a liberdade de informar e ferem a honra. Não se pode dizer que o Conselho de Ética [da Câmara dos Deputados] errou em absolvê-lo porque ele cometeu ilegalidades”, afirma Sérgio Augusto Santos Rodrigues, advogado de Edmar e autor da maioria das ações. “Ele nem mesmo é dono do castelo, que desde 1993 pertence aos dois filhos”, diz.

Para fazer os pedidos de indenização, uma equipe do advogado acompanha diariamente o que diz a mídia sobre o deputado, e seleciona as reportagens candidatas a processo. “Deixamos de entrar com ações em mais de duzentos casos. Há situações em que o caráter é lúdico, como charges, por exemplo, que não atingem a imagem”, explica Rodrigues. “Quarenta ações é pouco comparado com o volume de publicações”. Dos veículos processados por Rodrigues, só o jornal Estado de Minas, de quem o advogado é colunista, ficou de fora. Um segundo escritório de advocacia ficou encarregado da tarefa.

Embora as ações tenham sido ajuizadas em Belo Horizonte contra boa parte dos veículos, o advogado garante que não se trata de uma desforra judicial orquestrada e que os ajuizamentos não são padronizados. “Cada caso é um caso, porque cada reportagem é um motivo diferente de pedir”, diz. Apesar disso, o jornal Estado de Minas, o mais acionado, pediu à Justiça que as ações sejam distribuídas ao mesmo juiz por tratarem do mesmo assunto e terem sido ajuizadas pelo mesmo autor. Segundo a advogada do jornal, Ana Cláudia Martins, do Escritório de Advocacia Procópio de Carvalho, as sucessivas manchetes “refletem o desenrolar do mesmo assunto” e, por isso, as ações deveriam ser extintas ou pelo menos analisadas em conjunto.

A Editora Abril, que responde a três processos, vai mais longe e pede que a Justiça mineira se declare incompetente para julgar os casos. “Como o efeito da publicação é nacional, o foro correto seria o local onde a revista é impressa”, diz o advogado Alexandre Fidalgo, que representa a empresa. Enquanto os pedidos não forem julgados, o mérito das ações do deputado não poderão ser apreciados. “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afirma que o foro deve ser onde houve maior repercussão”, contesta Sérgio Rodrigues. Para ele, como os eleitores do deputado são mineiros, a imagem foi mais atingida no estado.

Ao tomar posse como corregedor da Câmara dos Deputados, em fevereiro, Edmar Moreira propôs que os deputados acusados de quebrar o decoro parlamentar fossem julgados pela Justiça e não mais pelo Conselho de Ética. A imprensa noticiou, então, que o deputdo havia omitido de sua declaração de bens à Justiça Eleitoral a posse de seu castelo em Minas. O deputado justificou-se alegando que o castelo não era dele e sim dos filhos, mas renunciou ao posto de corregedor da Câmara e pediu a desfiliação do partido a que estava vinculado, o DEM.

Outra acusação, a de que teria usado a verba indenizatória de deputado para contratar os serviços de sua própria empresa de segurança, foi arquivada pelo Conselho de Ética da Câmara. O deputado também responde a ações no Supremo Tribunal Federal por não repassar ao fisco as contribuições previdenciárias de seus funcionários, e por suspeita de crime tributário.

Tolerância zeroNa lista negra de Moreira entraram grandes e pequenos. Jornais e revistas de expressão nacional figuram nos pólos passivos das ações, como a Folha de S.Paulo e o portal UOL, do Grupo Folha, O Estado de S. Paulo, O Globo, Veja, IstoÉ e jornalistas da Época. Entre os profissionais de maior renome estão Fernando Rodrigues e Josias de Souza, da Folha, Octavio Costa e Leonardo Attuch, da IstoÉ, Ricardo Amaral, da Época, e Aluízio Maranhão, de O Globo.
A imprensa local mineira foi o alvo preferido. O jornal Estado de Minas sofreu 11 ações e o diário O Tempo, dez. O Hoje em Dia, de Belo Horizonte, foi citado em duas ações. Também foram processados o Diário do Comercio, de Belo Horizonte, e a Folha Universal, órgão noticioso da Igreja Universal, já condenado em primeira instância.

Programas de televisão também não ficaram de fora. Apresentadores como Hebe Camargo, José Luiz Datena, Marcelo Tas, Danilo Gentili e Jô Soares terão de responder à Justiça mineira por comentários feitos em rede nacional, assim como os jornalistas Carlos Nascimento, do SBT, e Boris Casoy, da Record. Jô Soares foi acionado por exibir em seu programa um castelo de isopor, que daria “a todo político corrupto”, conta Sérgio Rodrigues. Datena terá de explicar uma enquete feita com telespectadores sobre o castelo, em que afirmou que “todo político é safado”, diz o advogado.

Para Rodrigues, embora o deputado seja uma pessoa pública, a imprensa tem exagerado ao se referir a ele. “Ele era dono de empresas de segurança que estavam entre as maiores do estado, na época com dinheiro para construir mais dois ou três castelos se quisesse. Não se pode atribuir suas posses a dinheiro público, até porque o castelo foi construído quando ele ainda não era deputado”, garante, e desafia: “Quem não deve não teme. Os veículos podem alegar exceção da verdade”. O advogado afirma que hoje o deputado não é mais sócio das empresas, que estão falidas ou em recuperação judicial.

Ele afirma não haver qualquer fiscalização ou processo aberto contra seu cliente em relação ao assunto. “Houve quem dissesse que ele foi processado por omitir o castelo do fisco e por empregar indevidamente verbas indenizatórias, mas não há processo contra ele na Receita Federal ou movido pelo Ministério Público. Chegaram até a ofender sua mulher, de 70 anos.”

A mulher de Edmar Moreira, Júlia, foi mencionada em fevereiro pelo colunista Leonardo Attuch, em sua coluna na IstoÉ — clique aqui para ler. Ela foi descrita como uma “mulher manhosa” que teria ficado enciumada com a fazenda de um cunhado. De acordo com o jornalista, o castelo em estilo medieval, avaliado em R$ 25 milhões, foi erigido para agradá-la. A reportagem foi a primeira a parar na Justiça e despertou a indignação em relação às outras. Foram cinco ações distribuídas em fevereiro, nove em março, duas em abril, 15 em maio, 12 em junho e duas em julho. “Seis ou sete estão para entrar”, adianta Rodrigues, sem mencionar os alvos.

Conflito de direitosEdmar já conseguiu uma vitória. Em junho, a 30ª Vara Cível de Belo Horizonte condenou a Folha Universal a pagar R$ 30 mil em indenização por danos morais. O juiz Wanderley Salgado de Paiva levou apenas três meses para proferir a sentença conclusiva, já que o jornal não contestou a acusação e nem sequer respondeu à citação. “Devidamente citados os réus, os mesmos optaram por deixar transcorrer in albis o prazo para apresentação de resposta”, afirmou o juiz na decisão.

Mais tarde, tanto o jornal quanto o deputado apresentaram embargos de declaração contra a sentença. O recurso da Folha Universal foi rejeitado. Já o de Edmar Moreira, que pedia a publicação de direito de resposta no jornal, foi aceito.

Paiva considerou que a questão envolve um confronto de dois direitos fundamentais previstos na Consituição Federal, “a honra e imagem do indivíduo e a liberdade de manifestação do pensamento”. Ambos devem conviver juntos “sem impedir a imprensa de exercer sua essencial função, de conduzir a informação a coletividade e tecer críticas e opiniões úteis ao interesse social” e “garantir direito do cidadão de não ter sua honra e imagem violadas pela exposição excessiva ao público”.

Segundo o juiz, ao publicar reportagem com o título “O país onde os ricos reinam” e a frase “enquanto quem não tem dinheiro sofre com a alta carga de impostos, tem rico sendo acusado de esconder até castelo da Receita Federal”, o jornal imputou ao deputado “fatos desprovidos de qualquer base comprobatória, sem a devida cautela e precaução, extrapolando sua conduta profissional, ofendendo o autor”. Paiva disse ainda que “cidadãos não podem ser execrados pela mídia e condenados pela opinião pública antes de condenação transitada em julgado”.

Para a advogada Ana Cláudia Martins, o raciocínio deve ser justamente o inverso. “O direito de imagem de uma pessoa pública fica restrito em relação ao direito à informação. O interesse da maioria deve prevalecer neste caso”, diz.

Na contestação ao pedido de indenização feito contra o Estado de Minas, a advogada afirma poder comprovar as denúncias feitas pelo jornal por meio da chamada “exceção da verdade”. Para isso, ela pede que seja juntado ao processo o parecer do deputado Nazareno Fonteles, vencido no julgamento da representação contra Edmar Moreira no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. No relatório, Fonteles afirma que o “uso da verba indenizatória no pagamento dos serviços de segurança em empresas” de Moreira “violou os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade e da moralidade”, pelo que “a conduta do representado está plenamente caracterizada como procedimento incompatível com o decoro parlamentar”.

Edmar também já amargou a primeira derrota na primeira instância. Em ação contra o jornal O Tempo, a 14ª Vara Cível de Belo Horizonte rejeitou as preliminares alegadas pelo deputado para pedir a indenização — como ilicitude do ato e prejuízo moral —, e declarou a ação improcedente, condenando Edmar a pagar R$ 1 mil em honorários advocatícios ao jornal. O escritório Décio Freire & Associados – Advocacia Empresarial é o responsável pela defesa. O processo está desde agosto no Tribunal de Justiça mineiro para julgamento do recurso do deputado.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Paraísos artificiais

Desconfio profundamente dessas iniciativas para descriminar o uso da maconha, como agora defende o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Não, ainda não me tornei um conservador empedernido, daqueles que gostam de fritar estupradores na cadeira elétrica e têm urticária só de ouvir falar em tolerância para com o usuário de drogas.

Problema desse gênero de proposta é que ela apenas resolve a situação de uma certa classe média urbana, que gosta de fumar um baseado de vez em quando sem ser incomodada pela polícia, mas mantém mais ou menos inalterado o "statu quo" da relação entre Estado e drogas --o que realmente precisa mudar.

Trocando em miúdos, a ideia de tirar a Cannabis da lista de substâncias proibidas, embora inegavelmente simpática e quase realista (não consigo imaginar nenhum Legislativo do mundo hoje indo além disso), carece de uma racionalidade mais abrangente. Se quisermos prosseguir numa linha liberal porém lógica, precisamos não descriminar, mas sim legalizar todas as drogas, não só a maconha. E, para ser consequentes, deveríamos também relaxar os controles burocráticos que atualmente recaem sobre produtos legais mas monitorados, como anfetaminas e narcóticos opioides.

É mais ou menos o que eu defendo. Comecemos, porém, pelo começo. A linha proibicionista, que tem sido a dominante no mundo desde a década de 10 do século passado, tem um único argumento de peso a seu favor: ela evita que um número maior de pessoas se exponha a drogas que provocam dependência, frequentemente com impactos bastante negativos para a saúde do indivíduo.

Alguns números ilustram bem a situação. No Brasil, pesquisa realizada em 2005 pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), órgão ligado à Unifesp, mostrou que 75% da população entre 12 e 65 anos já havia feito uso de álcool ao menos uma vez na vida, com a proporção dos que podem ser considerados alcoólatras chegando a 12,3%. Estamos falando de um exército de 5,8 milhões de pessoas.

Em 2008, o Undoc, a agência da ONU encarregada de combate às drogas e ao crime, estimou que os usuários de todas as drogas ilícitas no mundo não passavam de 5% da população entre 15 e 64 anos, e a parcela dos que podem ser considerados dependentes fica abaixo do 0,6%. No Brasil, devemos estar ainda um pouquinho abaixo dessa média mundial.

É difícil acreditar que pelo menos parte da brutal diferença entre as legiões de alcoólatras e o modesto destacamento de dependentes de drogas ilícitas não se deva ao fato de bebidas serem liberadas, socialmente aceitas e maconha, cocaína etc., não.

Se os 5% de usuários de drogas ilícitas começarem a se aproximar dos 75% de bebedores, nossos serviços de saúde podem preparar-se para o pior, que se materializará na forma de emergências psiquiátricas, intoxicações exógenas e um acréscimo no número de acidentes relacionados a abuso de estupefacientes.

Já os defensores da legalização, entre os quais me incluo, observam que o mundo está longe de ser um lugar perfeito. Drogas existem e tendem a ter efeitos devastadores sobre a vida e a saúde de muitas pessoas; não obstante, substâncias psicoativas acompanham a humanidade desde os seus primórdios e nada indica que deixarão de fazê-lo.

Está em nosso poder definir até certo ponto com qual tipo de problemas queremos lidar, mas não solucioná-los. Minha dúvida é se as escolhas implícitas na linha proibicionista refletem decisões conscientes ou se são apenas o produto da inércia resultante de opções feitas por nossos avós, quase um século atrás. Convenhamos que o balanço da guerra às drogas não sugere a existência de um general extremamente competente sentado à mesa do Estado-Maior. Gastamos algumas centenas de bilhões de dólares por ano na repressão direta e indireta ao narcotráfico para assegurar, na outra ponta, a estabilidade do consumo de produtos ilícitos. Outras contas apontam ligeira redução ou pequeno aumento da população de usuários.

Desistir de reprimir o tráfico levaria a um aumento do consumo? É provável. Qual o custo em dólares e em anos de vida perdidos desse possível crescimento? A única resposta honesta é: "não sabemos". Muitos, entretanto, apostam que seria inferior ao que hoje gastamos com resultados entre pífios e modestos.

Outro argumento utilizado pelos defensores da legalização é o de que ela ajudaria a reduzir a violência e a corrupção produzidas pelos traficantes. Tendo a concordar, mas o efeito é bem mais sutil do que muitos sugerem. Na verdade, eu até esperaria, num primeiro momento, uma alta nos crimes mais violentos.

O enorme poder econômico dos barões da droga é um resultado direto da proibição. É ela que faz com que o preço de suas mercadorias seja cotado a ouro quando os custos de produção se contam na casa dos centavos. Eles exploram aquilo que os economistas chamam de "imposto da ilegalidade" --o prêmio pelo risco de comercializar o que é proibido. E isso no contexto de um negócio extremamente fácil: em que outra atividade criminosa a suposta vítima não apenas procura ela própria o bandido como ainda faz fila para ser servida?

Evidentemente, se os traficantes forem privados desse imposto da ilegalidade e tiverem suas margens de lucro drasticamente reduzidas, teriam muito menos poder para armar exércitos do crime, corromper autoridades e até financiar o terrorismo, como dizia George W. Bush.

Só que esse é um movimento de longo prazo. Ninguém deve esperar que, com a legalização, os integrantes do PCC e de outras quadrilhas metam ternos e se convertam em respeitáveis homens de negócios. É bem mais verossímil imaginá-los cometendo outros delitos, com os quais a vítima não concorde, como sequestros e roubos.

Aqui também é preciso atentar para o fato de que as soluções tucanas (desculpem, não resisti) não adiantam muito. Descriminar apenas não basta, é preciso legalizar de fato --eu, pessoalmente, até criaria a Narcobrás. Ou os usuários passam a adquirir suas drogas em bares, farmácias e supermercados, ou estaremos apenas reforçando o poder dos traficantes, fornecendo-lhe clientes que já nem precisam mais temer a polícia.

Pelo menos para mim, o argumento definitivo, que me faz sobrepujar todas as dúvidas e receios, é o dos limites para a ação do Estado. Por maiores que sejam as preocupações de ordem sanitária que uma eventual legalização de todas as drogas enseja, existem esferas que são vedadas à interferência do poder público. Destacam-se entre elas os corpos e as mentes das pessoas. Cada indivíduo é soberano para decidir o que faz consigo próprio. A única possibilidade de o Estado legislar com legitimidade nessa matéria é para impedir que dessas escolhas pessoais advenham males a terceiros. Ou seja, beber até cair pode; dirigir bêbado, não. Tragar uma plantação de tabaco é legítimo; dar uma baforada onde existam não fumantes, não. Inexiste motivo racional para essa lista parar no álcool e no tabaco. Em princípio, ela deveria abranger cada fármaco já no mercado ou por ser criado. A ciência médica, no que sirva para o bem ou para o mal, é patrimônio da humanidade, não feudo de médicos e farmacêuticos.

Não sei se o Brasil e mesmo os países desenvolvidos estão prontos para uma tal mudança de paradigma. Mas, se vamos defender novidades no front das drogas, que pelo menos tenhamos a coragem de apresentar pacotes que parem em pé e sejam logicamente sólidos.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u615189.shtml

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Você acredita na justiça brasileira?

Nesta terça-feira, 1º de setembro de 2009, o site Consultor Jurídico (www.conjur.com.br) publicou matéria divulgando os resultados de uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas - FGV, cujo intuito foi apurar a confiança do brasileiro no Judiciário. Muito embora todos já tenham ideia do resultado da pesquisa, este se mostrou contraditório, já que mesmo sem acreditar na justiça o brasileiro exercita com freqüência o direito de ação, como vemos na matéria.
População não acredita, mas procura o Judiciário

A população não confia na Justiça, mas mesmo assim procura o Judiciário para resolver seus conflitos. A conclusão faz parte da análise do primeiro índice que mede o nível de confiança no Judiciário, o ICJBrasil, divulgado pela Fundação Getulio Vargas em São Paulo nesta terça-feira (1/9). O ICJBrasil será divulgado trimestralmente.

Para chegar ao índice, os pesquisadores passaram por sete regiões metropolitanas do país e ouviram 1.636 pessoas. Das sete capitais pesquisadas, onde vive um terço da população do país, Salvador tem o pior nível de confiança na Justiça, com índice de 63 pontos. Segundo Luciana Gross Cunha, professora de Direito da GV e idealizadora do pesquisa, a maioria dos entrevistados da capital baiana apontou como problema o custo, o acesso à Justiça e a incapacidade do Judiciário de solucionar os conflitos. A FGV não especificou em quais casos a população soteropolitana procuraria a Justiça.

Porto Alegre é a capital com melhor índice, com 67 pontos. A maioria dos entrevistados destacou a imparcialidade, a honestidade e a confiança no Judiciário. Por isso, a população tende a recorrer mais à Justiça. 90% da população disseram que acionariam a Justiça para solucionar caso envolvendo o poder público, contra 65% envolvendo o direito do consumidor e 92% para casos envolvendo direito do trabalho.
Em São Paulo, que tem a maior estrutura judiciária do país, o que chama atenção é o tempo de solução. Mais de 95% dos entrevistados acham que é a Justiça é lenta e 61% acreditam não ser um sistema confiável. O direito do consumidor é o que mais mobiliza na cidade. Em São Paulo, os casos em que a população disse que procuraria a Justiça envolvem consumo (92%), família (91%) e o poder público (89%).
Segundo Neide de Sordi, do departamento de pesquisas judiciárias do Conselho Nacional de Justiça, a pesquisa reflete o que o levamento Justiça em Números organizado pelo CNJ já previa em algumas questões. “Mostrar que a população de Salvador é mais insatisfeita bate com o fato de o estado ter sido o primeiro a passar por mutirões por baixa produtividade. Já o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é o que tem menor taxa de congestionamento, segundo a nossa pesquisa.”
A pesquisa relevou que, quanto maior a renda e a escolaridade, pior é a avaliação da Justiça. Os respondentes com renda superior a R$ 5 mil, formados em mestrado ou doutorado, são os que menos confiam na Justiça. Na escolaridade, a disparidade entre as opiniões é razoável. Entre os que tem o primário incompleto, a pesquisa atingiu 63 pontos. Já os que tem o maior nível de escolaridade o índice é de 56 pontos.
A própria pesquisa não respondeu a este porquê, mas Luciana Gross Conha, aposta que quanto maior informação se tem, mais próximo da realidade se chega. Já na opinião de Fabio Mirto, do CNJ, as pessoas com menor renda e escolaridade têm a visão de que o "juiz é quem resolverá os problemas de sua vida, é alguém que sabe mais que ele, é uma pessoa distante. Já para quem é formado em nível de mestrado e doutorado, o juiz é tratado como um servidor da Justiça, que deve cumprir sua função".
Confiança na JustiçaO primeiro índice sobre a confiança da população no Judiciário atingiu 65 pontos, de um total de 100 pontos, que seria o ideal. O índice foi calculado a partir de dois subíndices. O indicativo da “percepção”, que chega a 50 pontos, em que as questões que mais se destacaram foram as críticas ao tempo de processo, os custos e falta de imparcialidade e honestidade do sistema. Esse subíndice também coletou a opinião dos entrevistados sobre a confiança, o acesso e eficiência da Justiça.
Já o subíndice de “comportamento”, que atinge 80 pontos, pretende entender se e quando a população pensa em recorrer à Justiça. Os casos mais citados foram o relacionados ao Direito do consumidor e do trabalho. A área criminal ficou de fora da pesquisa porque, em caso de crime, não há escolha de procurar a Justiça ou não. O índice geral e os subíndices não são o mesmo que porcentagem, que não foi divulgada pelos pesquisadores.
De acordo com Luciana Gross Conha, só será possível avaliar se o número é alto ou baixo a partir de um histórico que virá com as próximas pesquisas. "O que se pode perceber é que o que puxou o índice para cima foi a questão comportamental dos entrevistados, em que a maioria pretende procurar a Justiça, mas não entendo que 50 pontos de percepção seja positivo", explica.
Segundo a professora da USP e estudiosa do Judiciário, Maria Tereza Sadek, para avaliar essa pesquisa, é preciso entender que a população entrevistada faz parte de diferentes regiões e faixas de renda, com uma visão diferente do que é Justiça. “Pode se entender a Justiça como a Polícia, como o fórum perto de casa, a Defensoria, o Ministério Público, os tribunais. Trata-se de uma visão muito ampla.” Para ela, é preciso conscientizar a população que ela tem outros direitos, além do trabalhista e do consumidor. "É o caso do direito em relação ao poder público, quando se acha injusta ou imprópria a cobrança de um imposto,” diz a professora
Sadek concorda que o índice terá maior usabilidade a partir do histórico que for criado com as próximas edições. “Essa medição trimestral poderá observar por exemplo se o resultado do julgamento do Pallocci ou os mutirões do CNJ refletem na população o nível de confiança em relação à Justiça.” Segundo Luciana, a ideia é que nas próximas edições sejam incluídas algumas perguntas para detectar dúvidas que surgiram na primeira edição, como, por exemplo, como fazem para resolver conflitos pessoas que não querem procurar a Justiça. A pesquisa deve ser apresentada a gestores dos tribunais para que eles possam contribuir para esse aperfeiçoamento.